sexta-feira, 19 de junho de 2020

Os sedianos e o princípio da dignidade humana


A Constituição Federal, em sua essência, possui como princípios norteadores o da dignidade da pessoa humana e o da igualdade, por ex. no artigo 1º, que traz expressamente como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana.

Além disso, em seu art. 2º, há um rol de objetivos fundamentais, dentre eles o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Os referidos princípios constitucionais estão diretamente ligados à Síndrome de Ehlers-Danlos (SED), especialmente o direito a igualdade e dignidade da pessoa humana, uma vez que, muitas vezes, as pessoas com SED não conseguem superar suas diversidades quando submetidas ao império de uma mesma lei, o que aumenta ainda mais a desigualdade existente no plano fático.

Nesse sentido, faz-se necessário que o legislador e o judiciário, atentando para esta realidade, leve em consideração os aspectos diferenciadores existentes na sociedade, adequando o direito às peculiaridades dos indivíduos.

De acordo com o doutrinador Marcelo Novelino, “a igualdade não deve ser confundida com homogeneidade”. Assim, a lei pode e deve estabelecer distinções, devendo os iguais serem tratados igualmente e os desiguais tratados desigualmente, na medida de suas desigualdades, de modo a alcançar a isonomia em seu aspecto substancial, que visa corrigir as desigualdades existentes na sociedade, pois os indivíduos são 
diferentes.

A Constituição Federal, simultaneamente, assegura a igualdade formal e determina a busca por uma igualdade substancial. O texto constitucional prevê, em seu artigo 5º, caput, a chamada cláusula geral do princípio da igualdade ou isonomia, que visa obstar quaisquer discriminações ou distinções injustificáveis entre indivíduos.

Os referidos dispositivos são aliados diretos no momento de construir 
judicialmente o direito das pessoas com doenças raras, dentre elas os sedianos.

Considerando que os sintomas e o grau podem ser os mais diversos, desde leve hipermobilidade articular até fragilidade potencialmente fatal de tecidos moles e vascular, não é possível ajuizar ações coletivas.

Apesar de não existir muitos julgados referentes aos sedianos, é possível 
encontrar algumas decisões favoráveis à redução da jornada de trabalho dos servidores públicos e até casos mais graves em que o paciente teve de ser aposentado por invalidez.
O advogado tem como principal aliado os profissionais da saúde, que 
precisam elaborar pareceres robustos para construir um rol probatório de qualidade. Toda informação é importante, uma vez que estamos construindo os nossos direitos agora. 

Enquanto alguns pacientes apresentam poucos sintomas, mantendo uma qualidade de vida estável, outros apresentam dores intensas e variadas, assim como fadiga, disautonomia e distonia, podendo evoluir para grave incapacidade física, cognitiva e mental, afetando de forma considerável a qualidade de vida. 

A importância da igualdade material é cristalina no que se refere aos 
portadores da Síndrome de Ehlers Danlos, pois, não é possível tratá-los de forma igualitária quando cada indivíduo reage e desenvolve a doença de uma forma diferente.

Muitos pacientes não possuem condições de arcar com o tratamento, por se tratar de gastos para uma vida inteira com medidas preventivas, ou de reabilitação, através de medicações analgésicas, moduladores da dor, suplementos alimentares, restrição alimentar.

Nos casos em que o paciente não possui condições financeiras ou que o próprio SUS não supre as necessidades do sediniano, é possível requerer a responsabilidade do plano de saúde com tais gastos, e a depender do caso do próprio Estado.
Por se tratar de uma síndrome pouco conhecida e com número baixo de pacientes, a legislação vigente é omissa em muitos pontos.

Atualmente, existe um Projeto de Lei, PL 4817, em tramitação no Congresso Nacional, que institui a Política Nacional de Proteção Integral dos Direitos da Pessoa com a Síndrome de Ehlers-Danlos e Síndrome de Hipermobilidade, visando promover e assegurar direitos, proteções e cuidados às pessoas acometidas por estas síndromes.

Dessa forma, apesar dos sedianos não serem amplamente reconhecidos, já 
existem muitos profissionais de todas as áreas lutando pelos seus direitos e tratamento digno. Inclusive, há uma forte movimentação jurídica para assegurar os direitos constitucionais dessa minoria até pouco tempo desconhecida.

Raíssa Ornelas de Carvalho
Advogada - 47.268 OAB/DF
Paciente da Síndrome de Ehlers Danlos 

sábado, 6 de junho de 2020

SAM - SINDROME DE ATIVAÇÃO MASTOCITÁRIA

O QUE É?

Síndrome de Ativação Mastocitária (SAM) significa que os mastócitos são 
super ativados, reagem excessivamente a estímulos que deveriam ignorar e 
liberam grandes quantidades de mediadores pro-inflamatórios.

O QUE SÁO OS MASTÓCITOS?

Os mastócitos são células importantes do nosso sistema imune e são vitais para nossa saúde. Eles têm um papel protetivo, defendendo nosso corpo
contra bactérias, vírus e parasitas. Eles também participam da cicatrização. O trabalho dos mastócitos é ser o primeiro na linha de defesa, eles têm muitos sensores capazes de reconhecer quando há um perigo nos tecidos e dependendo do problema encontrado eles vão liberar diferentes substâncias para controlar o perigo ou responder a um estímulo. Estão presentes no tecido conjuntivo, nas mucosas, no sistema respiratório, intestinal, próximo dos vasos sanguíneo, nos nervos, nocérebro e até no sistema urinário. O mastócito libera várias substâncias quando há uma infecção ou desordens alérgicas mas há muitos outros receptores nessa célula além dos direcionados para alergias, 
que podem liberar várias substâncias e dependendo das substâncias liberadas podem ter sintomas diversos. Há mulheres que quando entram no seu período menstrual, as células que tem receptores de estrogênio e progesterona também podem ser influenciadas pela disfunção mastocitária.

SED E SAM

Síndrome Ehlers-Danlos (SED) é uma desordem do sistema conjuntivo, que envolve desregulação imune, entre várias outras, envolvendo também os mastócitos. Os sedianos costumam ter sintomas de ativação mastocitária por mecanismos pouco conhecidos até então. Há algumas áreas de pesquisa que dão pistas do porque as pessoas com SED também podem experimentar sintomas de ativação mastocitária, como alta prevalência de alergias alimentares, sinais e sintomas gastrointestinais como constipação, síndrome do intestino irritável, refluxo gastresofágico e dor abdominal crônica. Há uma hipótese de que anormalidades no colágeno permite formações de lesões no intestino, podendo comprometer a integridade 
da mucosa intestinal permitindo que proteínas grandes atravessem a barreira da mucosa, desencadeando a resposta imunogênica como a ativação mastocitária. 
Outro mecanismo que associa a SED com a ativação mastocitária é a disfunção autonômica chamada de POTS. Síndrome da taquicardia postural (POTS) é definida como um síndrome multifatorial de intolerância ortostática, ou seja ocorre aumento da frequência cardíaca (mais de 30 
batimentos em adultos e mais de 40 em crianças) quando fica de pé e tem 
outros sintomas associados que pioram com a postura como tontura, fadiga, palpitações e até desmaio que melhoram com a posição deitada. Esses sintomas podem ser induzidos pelo exercício, alimentação, posição e ambientes quentes. A exata relação entre POTS e SED permanece incerta. 
Alterações no tecido conjuntivo causado pela SED poderiam levar a uma flexibilidade vascular e predispor a uma estase de sangue nas extremidades 
inferiores.

COMO SUSPEITAR DE SAM

Algumas pessoas descrevem reações tipo alérgicas a uma variedade de 
estímulos que incluem: alimentos, odores e medicamentos, costumam se sentir mal também com mudança do tempo, ambiente, infecções. Em geral, costumam ter problemas neurocognitivos, cefaleia, flutuações da frequência cardíaca, palpitações, dor articular e problemas no sistema urinário. Acredita-se que haja uma comunicação dos mastócitos com as fibras nervosas que influenciam esse estado de mal estar. É capaz de afetar funções em todos os órgãos e tecidos do corpo, particularmente na pele, trato gastrointestinal, sistema cardiovascular e nervoso. Episódios de SAM podem acontecer a qualquer tempo afetando severamente a qualidade de vida da pessoa.
Algumas perguntas podem ajudar nessa suspeita:

1. Você tem sinais ou sintomas de ativação mastocitária em pelo 
menos 2 ou mais órgãos?
2. Os sintomas melhoram com medicações que tem como alvo as 
células mastocitárias ou mediadores, como anti-histamínicos,por exemplo?
3. Que testes você tem que mostram a superativação mastocitária? 
Há marcadores que podem ser detectados no sangue ou na urina 
de 24 horas?



QUAIS SÃO OS SINAIS E SINTOMAS DE SAM?




A apresentação clínica da SAM é altamente variável porque múltiplos órgãos e sistemas podem ser afetados, como:



TEM ALGUM TESTE LABORATORIAL PARA CONFIRMAR SAM?


Os mastócitos, quando são estimulados, liberam mediadores pro-inflamatórios como histamina, proteases, prostaglandinas, leucotrienos e citocinas, um processo chamado de degranulação(alarme químico).
O marcador mais sensível para a disfunção celular é a triptase. É necessário ter um valor basal como referencia e se houver crise de ativação mastocitária, medir o nível da triptase dentro de 4 a 6 horas da exacerbação da crise, se subir acima de 20% do valor de base já é um diagnóstico de que as células são muito mais ativas do que deveriam ser. Outros marcadores são metabólitos urinários como a histamina ou fatores leucotrienos como prostaglandinas. Outra critério diagnóstico é a avaliação dos mastócitos no próprio tecido por microscopia.
A histamina é produzida por várias outras células além dos mastócitos, dessa forma não é tão sensível como marcador como a triptase, mas se está elevada, 
sugere-se fortemente que há ativação mastocitária. 

O QUE PODE DESENCADEAR A CRISE DE ATIVAÇAO MASTOCITÁRIA?

▪ Alimentos e bebidas conhecidos por estimular a liberação de histamina
▪ Traumas como cortes ou fraturas
▪ Algumas medicações para dor, como aspirina, anti-inflamatórios e 
narcóticos
▪ Cheiros fortes como perfumes e químicos
▪ Fricção, pressão ou vibração na pele
▪ Extremos de temperatura
▪ Exposição a luz do sol
▪ Exercícios
▪ Estresse emocional ou físico

COMO TRATAR A SAM?

Até o momento não há cura para SAM, a terapia limita-se a controlar os sintomas. É importante descobrir os fatores que desencadeiam a crise e evitá-los. Uma forma de descobrir alimentos que causam sensibilidade é removeralguns ingredientes e reintroduzi-los um a um. Exercícios regulares devem ser mantidos, de acordo com a tolerância individual, mesmo quando há fadiga. É bom conhecer os próprios limites pois exercícios exagerados podem desencadear as crise, assim como o estresse psicológico. Tratamento medicamentoso precisa ser personalizado de acordo com a tolerância, os benefícios podem variar muito. As medicações comumente utilizadas são anti-histamínicos, bloqueadores H1, H2, e de receptores de leucotrienos. Outras 
medicações que podem ajudar incluem vitamina C, análogos de flavona e canabidiol.

Juliana Resende
Enfermeira

Familiar de paciente sediano

Referências

MAITLAND, ANNE. Mast Cell Activation Syndrome: More than “just allergies”, 2018, webinar disponível em https://www.ehlers-
danlos.com/mcasday18/

Smith, Claire. Understanding Hypermobile Ehlers-Danlos Syndrome and Hypermobility Spectrum Disorder’, Redcliff House Publications, 2017.

Santos, Rafael B. et al. Association of Postural Tachycardia Syndrome and 
Ehlers-Danlos Syndrome with Mast Cell Activation Disorders, Immunol 
Allergy Clin N Am, 2018

Seneviratne SL, Maitland A, Afrin L. Mast cell disorders in Ehlers– Danlos 

syndrome. Am J Med Genet Part C Semin Med Genet 175C:226–236, 2017.